
PSICANALIZANDO
Nossa nova coluna é assinada pela bela, e competentíssima Dra. Sylvia Lopes.
Ela é psicanalista de orientação lacaniana, estuda e conduz sua carreira de acordo com as diretrizes da École Freudienne de Paris, fundada por Jaques Lacan.
Membro de cartéis (grupos de estudos) da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise.
Atende em São Paulo, nos Jardins; e em Bertioga, no centro e na Riviera.

SER FELIZ!
A nova e terrível obrigação do ser humano

Este é meu primeiro artigo para a revista "Riviera em Foco", e escolhi o tema da felicidade justamente para me apresentar a você de maneira transparente, honesta. Sou psicanalista - ou seja, por definição não aceito as imposições massacrantes da sociedade, não me curvo para os padrões antiquados da moral e dos "bons" costumes. Como psicanalista e mulher, aceito todo o ser humano sem julgamentos, acolho as pessoas em sua integridade, dores e prazeres, orgulhos e derrotas, forças e fragilidades. O ser humano é fantástico em sua pluralidade, em suas diversas faces, em seus emaranhados e não há nada mais triste e impositivo do que tentar transformá-lo em um ser obrigatoriamente feliz.
Entenda, não gosto de ver ninguém infeliz, mas tenho um conceito diferente de felicidade em relação ao que a sociedade estabelece. Deixe-me explicar.
Paz de espírito, força, fé e cura. Sorrisos em todas as redes sociais, selfs cheias de filtros (de imagens e de sentido). É o que vemos entulhando nossos celulares. , mas isso não é felicidade, é "felicismo". São receitas prontas e falsas para a plenitude, que servem mesmo para nos tornar culpadas e culpados por não seguirmos a receita, as dietas, as viagens as "gratidões", por não alcançarmos o "nirvana". somos tratadas e nos vemos como pessoas acomodadas, que não arriscam, que não saem de sua zona de conforto para tornar seus sonhos realidade.
Tenho um spoiler de vida para contar: a plenitude não existe, ela é um produto fictício das industrias do bem estar. A verdade é que somos todas e todos seres falantes, estamos sempre desejando algo, precisando de algo, um algo a mais, um detalhe a mais, uma mudança, para enfim sermos felizes. No entanto, quando parece que chegamos lá (se é que chegamos) imediatamente passamos a desejar algo a mais, outro detalhe a mais, outra mudança.
Estamos envoltos em tantas #blessed que precisamos pensar sobre a banalidade do pensamento positivo e sobre o fato de a felicidade ter se tornado um negocio, um business agressivo que nos obriga a considerar uma demissão ou um câncer como uma "oportunidade para crescer", e não um momento difícil e cheio de angústias. O estabelecido diz que nas adversidades quem sente medo é fraco, e aquele/aquela que é resiliente vai comprar um livro de autoajuda e assistir palestras de superação.
O oposto da ditadura do "felicismo" não é a exaltação ao mau humor e à queixa, mas uma reflexão realista sobre como a sociedade construiu o significado de "como ser feliz".


Como escrevi no início, somos plurais. Não somos e nem devemos ser só felizes ou obrigadas/obrigados a ostentar felicidade todo o tempo, ao vivo ou nas redes. Somos alegres porque somos tristes, somos animados porque também somos deprimidos, e só somos felizes quando também podemos ser infelizes. Um só existe porque o outro existe. A felicidade verdadeira e realista reside na possibilidade de encontrar amizade entre dois polos. E aceitar que olhar para nossa biografia sem máscaras é essencial, se quisermos nos entender.
Felicidade existe quando o ser humano encontra seu lado "feio", estende a mão a esse lado e aceita que lindo mesmo é ser inteiro, com todas as contradições que nos marcam.